Os holandeses, ao contrário de nós, têm grandes desafios provenientes da natureza, notadamente pela escassez de terras, os fortes ventos e muita água que deve ser controlada para evitar enchentes. Mas, sabiamente, com uso de inteligência, técnica e muito labor, eles transformaram essas contrariedades em potencialidades a seu favor. Produzem energia com a força dos ventos, constroem diques, canais e excelentes portos e assim conseguem um extraordinário desenvolvimento econômico e social.
O segredo disso? Integração, sinergia e prática de governança corporativa, através da qual todos – governo, políticos, empresários e trabalhadores – se mobilizam para empreender as mudanças necessárias e atuam, sempre, com foco no interesse nacional. Pensam e atuam sempre olhando para o futuro e suas tendências, buscando as melhores alternativas de desenvolvimento para a sua sociedade. Lá todos têm consciência de que são, no conjunto, responsáveis pelos resultados finais em qualquer atividade, seja pública ou privada.
Quanto aos portos, a regra é simples: o governo responde pela infra-estrutura, ou seja, os cais de acostagem e a dragagem dos canais, a qual é realizada por empresas de forma constante e permanente. Já a superestrutura é entregue, integralmente, às empresas privadas responsáveis pelos terminais, que atuam com plena liberdade. A atividade é desregulamentada.
A gestão portuária é exercida pela Port Authority (similar ao nosso Conselho de Autoridade Portuária) e por uma diretoria executiva, com ampla autonomia, com cinco membros em cada entidade, sendo na maioria empresários, mantidos pelo mérito e sem nenhuma interferência do governo ou de políticos. Há, assim, continuidade administrativa, sem as perniciosas falhas seqüenciais que sempre ocorrem nas mudanças de governo e flutuações políticas.
Quanto aos trabalhadores, a Holanda dispõe de uma empresa, a STC B.V, que tem como missão formar e treinar trabalhadores para todas as atividades ligadas aos portos e à logística de transporte. Mais importante, a STC, em associação com o governo, possibilita aos jovens ainda no ensino fundamental agregarem matérias integrantes das profissões ligadas à logística que queiram seguir no futuro.
A simplicidade dos procedimentos, a desregulamentação, a profissionalização, o treinamento permanente, a liberdade de investir e empreender, o uso intensivo de tecnologia e a integração de empresários e trabalhadores possibilitam aos seus terminais obterem grande produtividade.
Como exemplo pode-se citar que um dos seus terminais (o Waterland Terminal BV), movimenta 1,2 milhão de t/ano com apenas 35 trabalhadores.
Com efeito, para transformar as nossas hidrovias e portos em efetivos fatores de crescimento e desenvolvimento econômico e social não precisamos reinventar a roda, basta nos ater à experiência da Holanda e adotar uma política que paute:
pela clareza, objetividade, simplicidade,flexibilidade, longo prazo e por marcos regulatórios que dêem segurança aos investidores;
pelo claro e seguro divisor de águas entre a atuação do governo e o da iniciativa privada, outorgando a esta toda a exploração comercial das hidrovias e dos portos, assegurando ao governo a formulação das políticas públicas e a fiscalização das atividades.
pelo respeito e conservação do meio ambiente mediante normas claras e que permitam aos agentes públicos adotarem decisões rápidas para que não emperrem ou afugentem os projetos e investidores, bem como pelo desenvolvimento das cidades portuárias.
No caso do Rio Grande do Sul, poderão ser adotadas, desde logo, as seguintes medidas para impulsionar a exploração plena dos nossos portos e hidrovias, por exemplo, entre outras:
1. No Porto de Rio Grande:
Adotar um novo modelo autônomo para o porto com administradores profissionais, vocacionados para atividades empresariais, avaliados e mantidos pelo mérito e que tenham continuidade para que possam planejar o desenvolvimento do porto e dos negócios portuários por longo prazo, independente da troca de presidente, de governador, de secretários de estado ou de mudanças políticas.
Adoção de práticas de boa governança corporativa com a participação da sociedade e transparência das contas, dos investimentos e dos problemas do porto e da gestão portuária.
2. Nas Hidrovias e Portos Interiores:
Separar a gestão das hidrovias da gestão do porto de Porto Alegre para possibilitar e incentivar uma política de exploração das hidrovias voltada para todos os nossos rios e não só para os canais que levam ao porto da Capital.
Desenvolver uma política industrial com os municípios banhados pelas hidrovias ou próximos a elas para atrair empreendimentos produtivos e de logística, ofertando assim alternativas na logística de transporte.
Obter delegação federal para que o Estado (e não mais Brasília) passe a autorizar e fiscalizar a instalação e ampliação dos terminais portuários, o que se tornará em importante ferramenta de desenvolvimento industrial.
Idem, idem para que a AGERGS passe a regular e fiscalizar os portos e terminais, evitando assim a superposição de órgãos, de burocracia e de custos.
Integrar o porto de Estrela e o sistema de eclusas à delegação estadual, os quais se encontram, atualmente, delegados à Cia. Docas de São Paulo, os ônus resultantes para o Estado dos custos de manutenção dessa infra-estrutura seriam compensados através da reestruturação e racionalização da atual Superintendência dos Portos e Hidrovias.
3. Na Dragagem nos Portos e nas Hidrovias:
À semelhança dos países desenvolvidos, os serviços de dragagem nos portos e nas hidrovias gaúchos devem ser permanentes. Esta prática, não apenas permite melhor conservação do meio ambiente, mas¸ também, oferece maior segurança à navegação e reduz os custos. Recentemente, o governo federal baixou a Medida Provisória n° 393, de 2007, instituindo novo programa de dragagem, passando a mesma a ser por resultados, com prazo de cinco anos, prorrogável por igual tempo, podendo ser contratadas empresas nacionais ou estrangeiras.
Nesse particular, cabe destacar a atuação do Secretário de Infra-Estrutura e Logística, Dr. Daniel Andrade, que convidou os dirigentes e técnicos da maior empresa de dragagem do mundo, a Royal Boskalis Westminster, que virão aqui, no início de dezembro próximo, para realizar estudos e proporem um planejamento de reestruturação das hidrovias e dos portos.
É mais do que oportuna essa importante decisão do Secretário que irá eliminar os gargalos existentes no setor e modernizar as práticas obsoletas que impedem o desenvolvimento das hidrovias e dos portos. Apenas para exemplificar o atraso em nosso Estado: há oito anos as autoridades locais não realizam uma dragagem séria nos, apenas, dois quilômetros do rio Gravataí, onde se localizam em torno de seis terminais, e que envolveria, no máximo, a remoção de 200.000 m³, e isto com recursos das próprias empresas titulares dos terminais.
Enquanto isso, no porto de Roterdã, para superar a limitação de espaço, os holandeses vão aterrar 20 quilômetros quadrados do mar do Norte, tendo sido, para isso, elaborado um programa para minimizar o impacto ambiental mediante a criação de uma reserva natural de marinha...
4. Conclusões:
Como ocorre na Holanda, a nossa sociedade civil precisa se mobilizar para o fortalecimento das instituições, para o estabelecimento de normas, padrões e regras como forma de impedir que tanto o atual governo como os futuros alterem, a seu exclusivo critério, a política de desenvolvimento do porto, a participação da sociedade na discussão dos seus assuntos estratégicos, as instituições estaduais e a forma do Estado se relacionar com o cidadão.
Para isso, não só nos portos, mas em quase todos os outros setores, torna-se indispensável que se adote como modelo institucional a governança corporativa, que se trata de um conjunto de princípios e práticas de gestão capaz de informar e demonstrar à sociedade o funcionamento, as decisões, a situação econômica, financeira e patrimonial das instituições geridas, bem como os problemas, os investimentos e o atendimento das finalidades do porto e/ou do órgão.
Especificamente em relação aos portos torna-se necessário o fortalecimento dos CAPs (Conselhos de Autoridade Portuária), nos quais os principais segmentos da sociedade portuária encontram-se representados, oe que estão a requerer o apoio, o comprometimento e participação de todos, notadamente das entidades empresariais e dos trabalhadores que deverão olhar e decidir sempre com foco no interesse público, no desenvolvimento de nosso Estado, o Rio Grande do Sul.